6ª Turma do STJ acata MS para anular decisão de arquivamento de IP relacionado a casos de violência doméstica

Em circunstância excepcional, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou a decisão de anular uma determinação que havia validado o encerramento de uma investigação policial em um caso de violência doméstica e familiar contra mulher. O colegiado ordenou que o processo fosse remetido ao procurador-geral de Justiça de São Paulo para uma análise mais aprofundada, considerando a possibilidade de acionar a ação penal ou conduzir novas diligências de investigação.

Neste caso específico, a suposta vítima relatou, em fevereiro de 2022, ter sido alvo de agressões verbais e físicas por seu namorado, na residência dele. Um exame pericial posterior confirmou diversas lesões em seu corpo. Entretanto, devido à percepção de fragilidade das provas, o Ministério Público Estadual solicitou o encerramento da investigação sem a realização de outras diligências para apurar as alegadas violações. Esse pedido foi validado pelo tribunal de primeira instância.

A vítima tentou, sem sucesso, a reconsideração do encerramento do caso, sendo sua solicitação negada tanto pela promotora quanto pelo tribunal de primeira instância. Mesmo uma revisão do arquivamento solicitada ao procurador-geral também foi indeferida pelo tribunal de primeira instância. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) recusou-se a reavaliar o caso.

A ministra Laurita Vaz, relatora no STJ, afirmou: “O encerramento precipitado da investigação, junto com as manifestações processuais inconsistentes nas instâncias inferiores, indicam que não houve uma diligência adequada na apuração das supostas violações dos direitos humanos cometidas contra a recorrente, violando seu direito claro e inequívoco à proteção judicial, conforme estabelecido nos artigos 1º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no artigo 7º, alínea ‘b’, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher”.

A ministra explicou que a Constituição Federal confere ao Ministério Público o exclusivo direito de exercer a ação penal pública (artigo 129, inciso I). Ela enfatizou que, por esse motivo, o artigo 28 do Código de Processo Penal estabelece que, após a abertura do inquérito, o encerramento da investigação sem a proposição da ação penal requer uma avaliação prévia do juiz, que pode discordar do pedido de arquivamento e solicitar uma análise mais aprofundada pelo chefe do Ministério Público.

A relatora destacou que, embora a maioria da jurisprudência do STJ considere que a decisão do juiz singular que ordena o arquivamento do inquérito a pedido do Ministério Público seja irrecorrível, o tribunal permite o uso de mandado de segurança para contestar essa medida em situações excepcionais, quando há uma clara violação dos direitos da vítima.

Ela argumentou que a admissão do mandado de segurança neste caso se baseia na obrigação de garantir o direito das vítimas a um processo criminal justo, especialmente em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, a fim de cumprir as obrigações internacionais do Estado brasileiro. “Portanto, deve ser compreendida, à luz do direito internacional dos direitos humanos, como parte integrante do dever estatal de garantir o livre e pleno exercício dos direitos humanos a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição e de assegurar a existência de mecanismos judiciais eficazes para proteção contra atos que os violem”, enfatizou a ministra.

Laurita Vaz observou que, no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, a ação penal desempenha um papel fundamental na proteção dos direitos humanos e no cumprimento das obrigações internacionais do Estado brasileiro. Ela argumentou que a palavra da vítima, apoiada por um laudo pericial que confirmou lesões significativas e evidenciou a agressão à sua integridade física, constitui um conjunto de evidências que não pode ser negligenciado. “Mesmo que a ação penal imediata não seja apropriada, pelo menos a busca por testemunhas ou outras informações seria necessária para determinar se houve ou não violência contra a mulher”, acrescentou.

Na visão da ministra, a decisão que validou o arquivamento não considerou devidamente a investigação adequada e desconsiderou aspectos essenciais do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, principalmente em relação à credibilidade da palavra da vítima, “um aspecto de extrema importância quando se trata de violência contra a mulher, especialmente quando há outros indícios que a apoiem”.

RMS 7038

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