Tribunal do Júri e Soberania dos Veredictos – Tema 1.087 do STF

No julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1.225.185/MG, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou a compatibilidade entre a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri e a possibilidade de apelação contra uma decisão absolutória fundamentada no quesito genérico, fixando o Tema 1.087 da Repercussão Geral.

Tese Fixada:

  1. “É cabível recurso de apelação com base no artigo 593, III, ‘d’, do Código de Processo Penal, nas hipóteses em que a decisão do Tribunal do Júri, amparada em quesito genérico, for considerada pela acusação como manifestamente contrária à prova dos autos.
  2. O Tribunal de Apelação não determinará novo Júri quando tiver ocorrido a apresentação, constante em Ata, de tese conducente à clemência ao acusado, e esta for acolhida pelos jurados, desde que seja compatível com a Constituição, os precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal e com as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos.”

Contexto:

A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri é garantida pela Constituição Federal (art. 5º, XXXVIII, “c”), e isso significa que as decisões dos jurados são em regra definitivas. Contudo, essa soberania não impede a interposição de recurso de apelação contra decisões que sejam manifestamente contrárias à prova dos autos, como previsto no art. 593, III, ‘d’ do Código de Processo Penal.

O quesito genérico absolutório, introduzido pela Lei nº 11.689/2008 (art. 483, III, CPP), permite que os jurados absolvam o réu sem necessidade de justificativa legal específica, podendo, inclusive, basear-se em argumentos extralegais, como clemência. Nessa situação, a acusação pode alegar que o veredicto é contrário à prova dos autos e, assim, requerer novo julgamento.

No entanto, o STF decidiu que, caso a defesa apresente uma tese de clemência e essa tese seja acolhida pelos jurados, registrada em ata e compatível com os princípios constitucionais e precedentes do STF, o Tribunal de Apelação não pode determinar novo julgamento. A decisão por clemência deve ser respeitada, desde que se enquadre nas circunstâncias fáticas do caso e não viole o ordenamento jurídico.

Aplicação Prática:

No caso em questão, o Conselho de Sentença absolveu o réu, que havia sido acusado de homicídio tentado, com base no quesito genérico, após acolher a tese de defesa que buscava clemência. O Ministério Público recorreu, alegando que a decisão foi manifestamente contrária às provas apresentadas. O STF, por maioria, deu parcial provimento ao recurso, determinando que o Tribunal de origem analise a apelação e decida sobre a necessidade de um novo júri.

Princípios Constitucionais:

A decisão respeita tanto o princípio da soberania dos veredictos quanto o da paridade de armas (CF/1988, art. 5º, LV), ao permitir que a acusação e a defesa tenham direito de recorrer em condições de igualdade. A possibilidade de um novo julgamento, em casos onde o veredicto seja manifestamente contrário à prova dos autos, preserva o direito ao contraditório e à ampla defesa, garantindo um julgamento justo.

Impacto:

Essa decisão equilibra o respeito à soberania do Tribunal do Júri com a possibilidade de recurso em casos excepcionais, nos quais o veredicto não encontra respaldo nas provas. Ao mesmo tempo, permite que os jurados absolvam com base em clemência, desde que tal decisão seja devidamente fundamentada e compatível com a Constituição e os precedentes do STF.


Referência: STF – ARE 1.225.185/MG (Tema 1.087 RG).

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