Autorização Judicial para instauração de Inquérito

É necessária autorização judicial prévia para a investigação de agentes públicos com prorrogativa de foro nos Tribunais. Esse é o entendimento atual, firmado pela jurisprudência recente do STF, após extenso debate. Nos autos da ADI 7.447, o relator, Ministro Alexandre de Moraes sustentou que:

“(…) de acordo com a jurisprudência do STF, as investigações contra autoridades com prerrogativa de foro na Corte se submetem ao prévio controle judicial, o que inclui a autorização judicial para as investigações. Esse mesmo entendimento tem sido aplicado pelo Supremo na solução de controvérsias relacionadas aos tribunais de segundo grau. ”

               A jurisprudência do STF há tempos já vinha se posicionando quanto à necessidade de autorização e supervisão do inquérito policial de autoridade com foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal, pela respectiva Corte. Vejamos:

“Se a Constituição estabelece que os agentes políticos respondem, por crime comum, perante o Supremo Tribunal Federal (Constituição Federal, art. 102, I, b), não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do Supremo Tribunal Federal. A iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF contando com a supervisão do Ministro-Relator do Supremo Tribunal Federal. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República. No exercício de competência penal originária do Supremo Tribunal Federal (Constituição Federal, art. 102, I, b c/c Lei nº 8.038/1990, art. 2º e Regimento Interno, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis.” (Inquérito nº 2.411/MT, Info 483)

“A outorga de competência originária para processar e julgar determinadas Autoridades (detentoras de foro por prerrogativa de função) não se limita ao processo criminal em si mesmo, mas, à base da teoria dos poderes implícitos, estende-se à fase apuratória pré-processual, de tal modo que cabe igualmente à Corte — e não ao órgão jurisdicional de 1ª instância — o correlativo controle jurisdicional dos atos investigatórios” (Reclamação 2349/TO, — Reclamação nº 1150/PR).

“A inobservância da prerrogativa de foro conferida a Deputado Estadual, ainda que na fase pré-processual, torna ilícitos os atos investigatórios praticados após sua diplomação” (Habeas Corpus 94.705/RJ, relator Ministro Ricardo Lewandowski).

O entendimento, até então, limitava-se às autoridades com foro por prerrogativa de função no próprio STF. Entretanto, tratando-se de autoridade com foro por prerrogativa de função em tribunal diverso, havia uma discussão, prevalecendo o entendimento em sentido contrário a necessidade de autorização. Esse era o entendimento da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal e das 5ª e 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça.

Nesse sentido, o STJ:

“A jurisprudência tanto do Pretório Excelso quanto deste Sodalício é assente no sentido da desnecessidade de prévia autorização do Judiciário para a instauração de inquérito ou procedimento investigatório criminal contra agente com foro por prerrogativa de função, dada a inexistência de norma constitucional ou infraconstitucional nesse sentido, conclusão que revela a observância ao sistema acusatório adotado pelo Brasil, que prima pela distribuição das funções de acusar, defender e julgar a órgãos distintos. 3. O Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que o mero indiciamento em inquérito policial, desde que não seja abusivo e ocorra antes do recebimento da exordial acusatória, não constitui manifesto constrangimento ilegal a ser sanável na via estreita do writ.” (STJ, AgRg no HC 404228 / RJ, 5ª T, 01/03/2018)

               No mesmo sentido, posicionou-se a 1ª Turma do STF:

“O ato de instauração de inquérito ou procedimento investigatório contra prefeitos municipais independe de autorização do Tribunal competente para processar e julgar o detentor da prerrogativa de foro.” (STF, Habeas Corpus nº 177.992 AgR/GO, 1ª T, 23/09/2018)

Nesse contexto, diz-se que o STF realiza a “supervisão judicial” das investigações envolvendo autoridades que serão, posteriormente, julgadas pela Corte. Este controle exercido pelo STF ocorre durante toda a tramitação das investigações (isto é, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo MP).

Isso significa que a autoridade policial ou o MP não poderiam investigar eventuais crimes cometidos por autoridades com foro privativo no STF, salvo se houver uma prévia autorização da Corte.

Ao STF compete processar e julgar determinadas autoridades com foro por prerrogativa de função (art. 102, I, “b” e “c”, da CF/88). A prerrogativa de ser julgado criminalmente apenas pelo STF é uma garantia conferida ao cargo, a fim de evitar perseguições políticas e instabilidades institucionais.

Ao outorgar ao STF a competência para julgar as ações penais contra essas autoridades, a Constituição Federal, de forma implícita, conferiu também à Corte a prerrogativa de fazer o controle judicial das investigações envolvendo essas mesmas autoridades.

Se fosse permitido que tais autoridades pudessem ser investigadas pela autoridade policial ou pelo MP sem a supervisão do STF, haveria um enfraquecimento, uma mitigação, da garantia conferida pelo foro por prerrogativa de função. Em outras palavras, continuaria havendo riscos de perseguições políticas e instabilidade institucional se as autoridades pudessem ser investigadas sem o controle do STF. Essas conclusões foram construídas pelo STF no Inq 2411 QO, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007.

Contudo, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal tem precedentes no sentido de que, para a instauração de inquérito policial contra autoridades com foro especial por prerrogativa de função (qualquer foro), é imprescindível prévia autorização do Tribunal competente para processar e julgar a respectiva autoridade. Logo, além, vai na contramão do entendimento da 1ª Turma, bem como do STJ.

I- A instauração de inquérito por delegado de polícia contra Prefeito Municipal, por fatos relacionados ao exercício do mandato, sem a prévia requisição da Procuradoria-Geral de Justiça e supervisão do Tribunal de Justiça, ofende o art. 29, X, da Constituição Federal. Precedentes. II- Constatado vício desde a instauração do inquérito policial até o oferecimento da denúncia, impõe-se o reconhecimento da nulidade de todos os atos processuais praticados. III- Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, RE 1.322.854 AgR, 2ª T, J. 03/08/2021).

Nesse mesmo sentido, há entendimento doutrinário, conforme se constata na doutrina de Badaró:

“Nos casos de investigados que gozam de foro especial por prerrogativa de função, o início da persecução penal ficará vinculado à autorização do tribunal competente.”

Ainda segundo o autor, na hipótese de competência originária dos tribunais, em virtude da existência de regra de foro por prerrogativa de função, a investigação não poderá ser iniciada sem que haja prévia autorização do tribunal competente para processar originariamente a ação penal.

Constata-se que, no âmbito da 1ª Turma, durante o julgamento da Ação Penal 912 do STF (03/03/2021), o Ministro Dias Toffoli entendeu que a exigência de prévia autorização judicial para a instauração de inquérito policial deveria ser estendida a todas as autoridades com foro especial perante quaisquer tribunais. No entanto, o entendimento não foi referendado pelos demais ministros, tanto que o ponto sustentado por Toffoli foi consignado como obiter dicta na ementa.

Em julgamento posterior, do Habeas Corpus nº 177.992 AgR/GO (23/09/2021), a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que “o ato de instauração de inquérito ou procedimento investigatório contra prefeitos municipais independe de autorização do Tribunal competente para processar e julgar o detentor da prerrogativa de foro.”

Contudo, em 2023, nos autos da ADI 7.447, por unanimidade, o Plenário do STF decidiu que: “a instauração de inquérito e demais atos investigativos em desfavor de agentes públicos detentores de foro por prerrogativa de função depende da prévia autorização do órgão judicial competente pela supervisão das investigações penais originárias”. O julgado foi divulgado no Informativo nº 1110 (medida cautelar), publicado em 06/10/2023 e no Informativo nº 1117 (julgamento do mérito), publicado em 27/11/2023.

Reforçamos os fundamentos apresentados pelo Tribunal Pleno da Corte Suprema:

“Conforme jurisprudência desta Corte, as investigações contra autoridades com prerrogativa de foro perante o STF submetem-se ao prévio controle judicial, circunstância que inclui a autorização judicial para as investigações.

Nesse contexto, e diante do caráter excepcional das hipóteses constitucionais de foro privilegiado, que possuem diferenciações em nível federal, estadual e municipal, a razão jurídica que justifica a necessidade de supervisão judicial de atos investigatórios de autoridades com prerrogativa de foro no STF é igualmente aplicável às autoridades que a possuem nos tribunais de segundo grau de jurisdição.”

Conclusão: Em provas objetivas e discursivas é certo afirmar que em se tratando de investigação de agentes com foro privilegiado perante o respectivo Tribunal de Justiça há a necessidade de prévia autorização judicial para a instauração.

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