(I)licitude da utilização do espelhamento do Whatsapp Web na Investigação Criminal

A 5ª Turma do STJ, no julgamento do AREsp 2.309.888-MG, de Relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 17/10/2023 decidiu pela possibilidade de utilização do espelhamento da ferramenta Whatsapp Web na infiltração virtual de agentes.

Como se sabe, a 6ª Turma do STJ, no julgamento do RHC 99735-SC, de Relatoria da Ministra Laurita Vaz, julgado em 27/11/2018 (Info 640), entendeu pela nulidade da decisão judicial que autorizava o espelhamento do WhatsApp via Código QR para acesso no WhatsApp Web. Vejamos:

É nula decisão judicial que autoriza o espelhamento do WhatsApp via Código QR para acesso no WhatsApp Web.
Também são nulas todas as provas e atos que dela diretamente dependam ou sejam consequência, ressalvadas eventuais fontes independentes.
Não é possível aplicar a analogia entre o instituto da interceptação telefônica e o espelhamento, por meio do WhatsApp Web, das conversas realizadas pelo aplicativo WhatsApp.
STJ. 6ª Turma. RHC 99735-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/11/2018 (Info 640).

No entanto, no informativo publicado em 24 de outubro de 2023, a 5ª T entendeu pela possibilidade da utilização do espelhamento do Whatsapp Web e ainda fixou alguns requisitos. Vejamos:

É possível a utilização, no ordenamento jurídico pátrio, de ações encobertas, controladas virtuais ou de agentes infiltrados no plano cibernético, inclusive via espelhamento do Whatsapp Web, desde que o uso da ação controlada na investigação criminal esteja amparada por autorização judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a aferição da possibilidade de utilização, no ordenamento jurídico pátrio, de ações encobertas, controladas virtuais ou de agentes infiltrados no plano cibernético, inclusive via espelhamento do Whatsapp Web.
No ordenamento pátrio, as ações encobertas recebem a denominação de infiltração de agentes. A Lei que trata acerca de Organizações Criminosas, Lei n. 12.850/2013, prevê que, em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros procedimentos já previstos em lei, infiltração, por policiais, em atividade de investigação, mediante motivada e sigilosa autorização judicial. Objetiva-se a outorga, ao agente estatal, da possibilidade de penetrar na organização criminosa, participando de atividades diárias, para, assim, compreendê-la e melhor combatê-la pelo repasse de informações às autoridades.
De se mencionar, ainda, que a lei que regulamenta o Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014), estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para uso da Internet no Brasil, garante o acesso e a interferência no “fluxo das comunicações pela Internet, por ordem judicial”. De idêntica forma, a referida Lei n. 12.850/2013 (Lei da ORCRIM), com redação trazida pela Lei 13.694/2019, passou a prever, de forma expressa, a figura do agente infiltrado virtual, em seu art. 10-A.
Por sua vez, a Lei n. 9.296/1996 (Interceptação Telefônica), permite em seu art. 1º, parágrafo único, a quebra do sigilo no que concerne à comunicação de dados, mediante ordem judicial fundamentada. Nesse ponto reside a permissão normativa para quebra de sigilo de dados informáticos e de forma subsequente, para permitir a interação, a interceptação e a infiltração do agente, inclusive pelo meio cibernético, consistente no espelhamento do Whatsapp Web. A lei de interceptação, em combinação com a Lei das Organizações Criminosas outorga legitimidade (legalidade) e dita o rito (regra procedimental), a mencionado espelhamento, em interpretação progressiva, em conformidade com a realidade atual, para adequar a norma à evolução tecnológica.
A potencialidade danosa dos delitos praticados por organizações criminosas, pelo meio virtual, aliada a complexidade e dificuldade da persecução penal no âmbito cibernético devem levar a jurisprudência a admitir as ações controladas e infiltradas no mesmo plano virtual. De fato, nos últimos anos, as redes sociais e respectivos aplicativos se tornaram uma ferramenta indispensável para a comunicação, interação e compartilhamento de informações em todo o mundo. Entretanto, essa rápida expansão e influência também trouxeram consigo uma série de desafios e problemas no âmbito da investigação, no meio virtual, tornando-se a evolução da jurisprudência acerca do tema questão cada vez mais relevante e urgente.
Impositivo se mostra o estabelecimento de regras processuais compatíveis com a modernidade do crime organizado, porém, sempre respeitando, dentro de tal quadro, os direitos e garantias fundamentais do investigado. Tal desiderato restou alcançado na medida em que, no ordenamento pátrio, a infiltração, igualmente a outros institutos que restringem garantias e direitos fundamentais, está submetida ao controle e amparada por ordem de um juiz competente.
Não há empecilho, portanto, na utilização de ações encobertas ou agentes infiltrados na persecução de delitos, pela via dos meios virtuais, desde que, conjugados critérios de proporcionalidade (utilidade, necessidade), reste observada a subsidiariedade, não podendo a prova ser produzida por outros meios disponíveis.
É o que se dá na hipótese em análise, com o autorizado espelhamento via Whatsapp Web, como meio de infiltração investigativa, na medida em que a interceptação de dados direta, feita no próprio aplicativo original do Whatsapp, se denota, por vezes, despicienda, em face da conhecida criptografia ponta a ponta que vigora no aplicativo original, impossibilitando o acesso ao teor das conversas ali entabuladas. Concebe-se plausível, portanto, que o espelhamento autorizado via Whatsapp Web, pelos órgãos de persecução, se denote equivalente à modalidade de infiltração do agente, que consiste em meio extraordinário, mas válido, de obtenção de prova.
Pode, desta forma, o agente policial valer-se da utilização do espelhamento pela via do Whatsapp Web, desde que respeitados os parâmetros de proporcionalidade, subsidiariedade, controle judicial e legalidade, calcado pelo competente mandado judicial. De fato, a Lei n. 9.296/1996, que regulamenta as interceptações, conjugada com a Lei n. 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), outorgam substrato de validade processual às ações infiltradas no plano cibernético, desde que observada a cláusula de reserva de jurisdição.

Sem dúvidas esse julgado irá despencar nas próximas provas de Delegado.

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