Indisponibilidade de bens na LIA

A indisponibilidade de bens é uma tutela provisória, prevista expressamente na LIA. Agora, o legislador usou a expressão “indisponibilidade”, de forma expressa, em vez de repetir “sequestro” ou “bloqueio”.

Vamos ver como está a redação atual na LIA que trata sobre o assunto?

Sobre a indisponibilidade de bens trazida pela reforma na Lei de Improbidade Administrativa:

Art. 16. Na ação por improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter antecedente ou incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito.         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 1º (Revogado).         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 1º-A O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo poderá ser formulado independentemente da representação de que trata o art. 7º desta Lei.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 2º Quando for o caso, o pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 3º O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias.        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 4º A indisponibilidade de bens poderá ser decretada sem a oitiva prévia do réu, sempre que o contraditório prévio puder comprovadamente frustrar a efetividade da medida ou houver outras circunstâncias que recomendem a proteção liminar, não podendo a urgência ser presumida.          (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 5º Se houver mais de um réu na ação, a somatória dos valores declarados indisponíveis não poderá superar o montante indicado na petição inicial como dano ao erário ou como enriquecimento ilícito.         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 6º O valor da indisponibilidade considerará a estimativa de dano indicada na petição inicial, permitida a sua substituição por caução idônea, por fiança bancária ou por seguro-garantia judicial, a requerimento do réu, bem como a sua readequação durante a instrução do processo.        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 7º A indisponibilidade de bens de terceiro dependerá da demonstração da sua efetiva concorrência para os atos ilícitos apurados ou, quando se tratar de pessoa jurídica, da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a ser processado na forma da lei processual.        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 8º Aplica-se à indisponibilidade de bens regida por esta Lei, no que for cabível, o regime da tutela provisória de urgência da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 9º Da decisão que deferir ou indeferir a medida relativa à indisponibilidade de bens caberá agravo de instrumento, nos termos da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 10. A indisponibilidade recairá sobre bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário, sem incidir sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 11. A ordem de indisponibilidade de bens deverá priorizar veículos de via terrestre, bens imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos e, apenas na inexistência desses, o bloqueio de contas bancárias, de forma a garantir a subsistência do acusado e a manutenção da atividade empresária ao longo do processo.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 12. O juiz, ao apreciar o pedido de indisponibilidade de bens do réu a que se refere o caput deste artigo, observará os efeitos práticos da decisão, vedada a adoção de medida capaz de acarretar prejuízo à prestação de serviços públicos.          (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 13. É vedada a decretação de indisponibilidade da quantia de até 40 (quarenta) salários mínimos depositados em caderneta de poupança, em outras aplicações financeiras ou em conta-corrente.         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 14. É vedada a decretação de indisponibilidade do bem de família do réu, salvo se comprovado que o imóvel seja fruto de vantagem patrimonial indevida, conforme descrito no art. 9º desta Lei.        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Em resumo, o pedido de indisponibilidade de bens na LIA:

Poderá ser formulado, em caráter antecedente ou incidente;
Poderá ser formulado independentemente da representação da autoridade que conhecer dos fatos;
Aplica-se, no que for cabível, o regime da tutela provisória de urgência;
Finalidade:  garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito;
Objeto de incidência: recairá sobre bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário, SEM INCIDIR sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita;
Ordem de indisponibilidade: deverá priorizar veículos de via terrestre, bens imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos e, apenas na inexistência desses, o bloqueio de contas bancárias, de forma a garantir a subsistência do acusado e a manutenção da atividade empresária ao longo do processo;
O juiz, ao apreciar o pedido, observará os efeitos práticos da decisão, vedada a adoção de medida capaz de acarretar prejuízo à prestação de serviços públicos;
É vedada a decretação de indisponibilidade da quantia de até 40 salários mínimos;
É vedada a decretação de indisponibilidade do bem de família do réu, salvo se comprovado que o imóvel seja fruto de vantagem patrimonial indevida;
Recurso cabível: Da decisão que deferir ou indeferir caberá agravo de instrumento;
Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior;
Apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 dias;
Poderá ser decretada sem a oitiva prévia do réu, sempre que o contraditório prévio puder comprovadamente frustrar a efetividade da medida ou houver outras circunstâncias que recomendem a proteção liminar, não podendo a urgência ser presumida;
O valor da indisponibilidade considerará a estimativa de dano indicada na petição inicial, permitida a sua substituição por caução idônea, por fiança bancária ou por seguro-garantia judicial, a requerimento do réu, bem como a sua readequação durante a instrução do processo;
A indisponibilidade de bens de terceiro dependerá da demonstração da sua efetiva concorrência para os atos ilícitos apurados ou, quando se tratar de pessoa jurídica, da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a ser processado na forma da lei processual.

Agora, considere a seguinte situação hipotética:

Antônio se tornou réu em ação de improbidade administrativa no ano de 2020. Neste mesmo ano, o juiz decretou a indisponibilidade de todos os seus bens, em razão da ação acima citada em curso.

Inconformado, Antônio interpôs agravo de instrumento, porém, o juiz não alterou a decisão. Desta forma, o réu então ingressou com recurso especial perante o STJ. Neste interim, passou a vigorar a Lei nº 14.230 de 2021, a qual promoveu diversas alterações na temática improbidade administrativa. Uma das alterações foram os pressupostos para a decretação da indisponibilidade de bens do réu.

Antônio, portanto, viu a oportunidade de ter a decisão que decretou a indisponibilidade de seus bens revogada pelo STJ, por aplicação retroativa da reforma na Lei de Improbidade Administrativa. Diante do caso apresentado, responda de acordo com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 e consoante o entendimento dos tribunais superiores:

  1. Quais são os requisitos trazidos pela Lei nº 14.230/2021 para decretação da indisponibilidade de bens do réu?
  2. O pedido de Antônio poderá ser deferido? Por quê?

A questão trazida, além dos requisitos da LIA, abordou dois julgados específicos, que traremos abaixo via explicação do professor Márcio Cavalcante, via buscador Dizer o Direito:

Improbidade administrativa – Noções gerais

Em atenção ao Tema 1199/STF, deve-se conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021, adstringindo-se aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado

Caso hipotético: João é réu em uma ação de improbidade administrativa. O juiz, antes da Lei nº 14.230/2021, decretou a indisponibilidade de todos os seus bens. O réu interpôs agravo de instrumento, mas a decisão foi mantida. Ainda inconformado, João ingressou com recurso especial.
Daí entrou em vigor a Lei nº 14.230/2021 que promoveu diversas alterações na Lei de Improbidade Administrativa. Essa lei alterou inclusive os pressupostos para se decretar a indisponibilidade de bens do réu, tornando, em tese, mais restritiva a possibilidade de sua decretação.
Diante disso, João pediu, ainda no STJ, que se fizesse a aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021 ao caso concreto e que se revogasse a indisponibilidade de bens, sob o argumento de ser matéria de ordem pública, devendo-se, portanto, reconhecer que não estão presentes os novos pressupostos.

O pedido de João foi deferido? Não. O STF, no Tema 1199, decidiu apenas pela aplicação imediata da Lei nº 14.230/2021 no que tange aos atos de improbidade administrativa culposos não transitados em julgado. O STF não tratou sobre as alterações relacionadas com a indisponibilidade de bens.

Deve-se conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021, restringindo-se aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado.
Diante disso, no caso concreto, o STJ indeferiu o pedido de João para aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021.

STJ. 1ª Turma. PET no AgInt nos EDcl no AREsp 1.877.917/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 23/5/2023 (Info 776).

A REFORMA DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PROMOVIDA PELA LEI 14.230/2021 E O QUE DECIDIU O STF NO TEMA 1199 SOBRE A RETROATIVIDADE DA MUDANÇA

A Lei nº 14.230/2021 promoveu a maior reforma da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) desde que esse diploma foi editado. Até a ementa da lei recebeu nova redação.

No Tema 1199, julgado em 18/08/2022 o STF analisou dois pontos da Lei nº 14.230/2021:

1) a supressão da modalidade culposa de improbidade administrativa;

2) a modificação das regras sobre prescrição. 

O STF analisou principalmente se essas mudanças podem ser aplicadas retroativamente, ou não. 

1º ponto: supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa

A partir a Lei nº 14.230/2021 (26/10/2021), deixou de existir, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de improbidade administrativa.

Essa alteração retroage para absolver pessoas que já tenham sido condenadas com trânsito em julgado. Imagine que um indivíduo, antes da Lei nº 14.230/2021, tenha sido condenado definitivamente pela prática de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa. Essa alteração retroage e ele agora será considerado absolvido? Há uma espécie de abolitio?

NÃO.

O art. 5º, XXXVI, da CF/88 afirma que a lei não pode prejudicar (ofender) a coisa julgada.

Logo, o STF decidiu que:

Por força do art. 5º, XXXVI, da CF/88, a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, promovida pela Lei nº 14.230/2021, é irretroativa, de modo que os seus efeitos não têm incidência em relação à eficácia da coisa julgada, nem durante o processo de execução das penas e seus incidentes.

STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1199) (Info 1065). 

Se a condenação por ato de improbidade administrativa culposo já tiver transitado em julgado, a Lei nº 14.230/2021 não irá retroagir para “absolver” o condenado. E se o processo ainda estiver em curso? Imagine que Gustavo foi condenado por ato culposo de improbidade administrativa. Houve recurso para o Tribunal de Justiça. Antes que o recurso fosse julgado, entrou em vigor a Lei nº 14.230/2021. Essa novidade deverá ser imediatamente aplicada?

SIM. Incide a Lei nº 14.230/2021 em relação aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência da Lei nº 8.429/1992, desde que não exista condenação transitada em julgado. 

Isso significa Gustavo será obrigatoriamente absolvido?

NÃO. O juízo competente (em nosso exemplo, o TJ) não poderá mais manter a condenação por ato culposo de improbidade administrativa. Contudo, a condenação ainda poderá ser mantida se ficar comprovado que o sujeito agiu com dolo eventual. Logo, essa absolvição não é automática nem obrigatória.

Foi o que decidiu o STF:

Incide a Lei nº 14.230/2021 em relação aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência da Lei nº 8.429/1992, desde que não exista condenação transitada em julgado, cabendo ao juízo competente o exame da ocorrência de eventual dolo por parte do agente.

STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1199) (Info 1065).

 Assim, diante da revogação expressa do texto legal anterior, não se admite a continuidade de uma investigação, uma ação de improbidade, ou uma sentença condenatória por improbidade com base em uma conduta culposa não mais tipificada legalmente.

Entretanto, a incidência dos efeitos da nova lei aos fatos pretéritos não implica a extinção automática das demandas, pois deve ser precedida da verificação, pelo juízo competente, do exato elemento subjetivo do tipo:

• se houver culpa, não se prosseguirá com o feito;

• se houver dolo, pode prosseguir.

Essa medida é necessária porque, na vigência da Lei nº 8.429/92, como não se exigia a definição de dolo ou culpa, muitas vezes a imputação era feita de modo genérico, sem especificar qual era o elemento subjetivo do tipo.

Nesse contexto, todos os atos processuais até então praticados são válidos, inclusive as provas produzidas, as quais poderão ser compartilhadas no âmbito disciplinar e penal, assim como a ação poderá ser utilizada para fins de ressarcimento ao erário. 

2º ponto: mudanças promovidas pela Lei 14.230/2021 no regime de prescrição

A Lei nº 14.230/2021 previu novos prazos prescricionais e instituiu a possibilidade de prescrição intercorrente. Indaga-se: os prazos prescricionais previstos na Lei nº 14.230/2021 retroagem? NÃO.

Os prazos prescricionais previstos na Lei nº 14.230/2021 não retroagem, sendo aplicáveis a partir da publicação do novo texto legal (26/10/2021).

STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1.199) (Info 1065).

 Isso se dá em respeito ao ato jurídico perfeito e em observância aos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa.

Com efeito, a inércia nunca poderá ser caracterizada por uma lei futura que, diminuindo os prazos prescricionais, passe a exigir o impossível, isto é, que, retroativamente, o poder público — que foi diligente e atuou dentro dos prazos à época existentes — cumpra algo até então inexistente.

Por outro lado, a teor do que decidido pela Corte no Tema 897 de repercussão geral, permanecem imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na LIA. 

Teses fixadas pelo STF:

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se — nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA — a presença do elemento subjetivo — DOLO;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 — revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa —, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1.199) (Info 1065).

EXPLICAÇÃO DO JULGADO DO STJ

Imagine a seguinte situação adaptada:

João é réu em uma ação de improbidade administrativa.

O juiz, antes da Lei nº 14.230/2021, decretou a indisponibilidade de todos os seus bens.

O réu interpôs agravo de instrumento, mas a decisão foi mantida.

Ainda inconformado, João ingressou com recurso especial.

O recurso especial não foi conhecido porque o STJ entendeu que o recorrente não impugnou especificadamente os fundamentos da decisão recorrida. Logo, o recurso especial não ultrapassou o juízo de admissibilidade.

Ocorre que logo em seguida entrou em vigor a Lei nº 14.230/2021 que, como vimos, promoveu diversas alterações na Lei de Improbidade Administrativa. Essa lei alterou inclusive os pressupostos para se decretar a indisponibilidade de bens do réu.

Diante disso, João pediu, ainda no STJ, que se fizesse a aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021 ao caso concreto e que se revogasse a indisponibilidade de bens, sob o argumento de ser matéria de ordem pública, devendo-se, portanto, reconhecer que não estão presentes os novos pressupostos. 

Primeira controvérsia: vimos acima que o STF, no Tema 1199, afirmou que nova Lei 14.230/2021 pode ser aplicada “aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado”. Indaga-se: é possível que o STJ faça essaaplicação mesmo na hipótese de o recurso especial não ter ultrapassado o juízo de admissibilidade?

SIM.

A 2ª Turma do STJ, no julgamento dos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1.706.946/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, realizado em 22/11/2022, decidiu pela possibilidade de aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021 a ato ímprobo culposo não transitado em julgado, ainda que não conhecido o recurso, por força do Tema 1.199/STF. Na hipótese, o recurso especial não havia sido conhecido em razão do óbice da Súmula n. 7 do STJ.

Confira a ementa do referido julgado:

(…) 3. A partir do precedente vinculante do Supremo Tribunal Federal, excepcionada está a jurisprudência do STJ a respeito da impossibilidade de aplicação do art. 493 do CPC para os casos em que o recurso não tiver sido conhecido – ao menos no tocante à aplicação da Lei 14.230/2021 para os casos de improbidade culposa -, impondo-se o acolhimento, ainda que parcial, da pretensão recursal, nos termos do quanto decidido no Tema 1.199/STF.

4. Embargos de Declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que analise exclusivamente a situação da embargante à luz da orientação adotada pelo STF no julgamento do Tema 1.199 quanto à configuração do ato ímprobo (fl. 1.600, e-STJ).

STJ. 2ª Turma. EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1.706.946/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/11/2022. 

Nessa mesma linha de percepção, é possível citar precedente da Corte Especial do STJ, no qual se acolheu questão de ordem, para determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para juízo de conformidade com o Tema 1.199/STF, na hipótese de ato ímprobo culposo, não transitado em julgado. No caso, os embargos de divergência não tinham ultrapassado o juízo de admissibilidade: STJ. Corte Especial. AgInt nos EAREsp 1.899.968/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/3/2023.

A 1ª Turma do STJ decidiu que é possível a aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021 mesmo que o recurso especial não tenha sido conhecido, desde que ele (recurso) tenha preenchido os pressupostos extrínsecos de admissibilidade (tempestividade, preparo e regularidade formal): STJ. 1ª Turma. QO no AREsp 1.202.555/DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 29/11/2022. 

Segunda pergunta: isso significa que o pedido de João foi deferido?

NÃO. Isso porque a matéria de fundo versa sobre indisponibilidade de bens e não sobre ato ímprobo culposo não transitado em julgado, motivo pelo qual não há se falar em aplicação retroativa da Lei Nº 14.230/2021 ao caso vertente.

O STF, no Tema 1199, decidiu apenas pela aplicação imediata da Lei nº 14.230/2021 no que tange aos atos de improbidade administrativa culposos não transitados em julgado. O STF não tratou sobre as alterações relacionadas com a indisponibilidade de bens.

Deve-se conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021, restringindo-se aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado.

Diante disso, no caso concreto, o STJ indeferiu o pedido de João para aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021, mantendo o acórdão proferido que não havia conhecido do recurso. 

Em suma:

Em atenção ao Tema 1199/STF, deve-se conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021, adstringindo-se aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado.

STJ. 1ª Turma. PET no AgInt nos EDcl no AREsp 1.877.917/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 23/5/2023 (Info 776).

PADRÃO DE RESPOSTA:

O pedido de indisponibilidade de bens pode ser formulado em caráter antecedente ou incidente, aplicáveis as regras do regime da tutela provisória de urgência.

Tem por finalidade a garantia da integral recomposição do erário ou acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito, não podendo incidir sobre valores a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial de atividade lícita, devendo priorizar um rol de bens como veículos bens imóveis, móveis, dentre outros, e apenas na inexistência dos bens previstos na lei, poderá ser efetuado o bloqueio de contas bancárias, não podendo incidir na quantia de até 40 salários mínimos.

São vedadas a adoção de medidas que acarretem prejuízo à prestação dos serviços públicos, bem como sobre bem de família do réu, exceto se comprovado que o imóvel seja fruto de vantagem patrimonial indevida.

Somente será deferida se demonstrado o perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, ouvindo-se o réu em 5 dias. Excepcionalmente, este não será ouvido se o contraditório prévio puder frustrar a efetividade da medida.

No tocante ao pedido formulado pelo réu, consoante entendimento dos tribunais superiores, este não poderá ser deferido. Isso porque o STF não tratou sobre as alterações relacionadas a indisponibilidade de bens, entendendo que se deve conferir interpretação restritiva à aplicação retroativa da reforma, adstringindo-se aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado.

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